25 maio 2006

SYLVIA PLATH (1932-1963)


DADDY

You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.

(...)
...........................................................................................

(Segue-se a trnscrição do poema na íntegra, em tradução poprtuguesa da autoria de Maria Fernanda Borges)


PAIZINHO


Já não serves, já não serves
Nunca mais, sapato preto,
No qual tenho vivido como um pé
Durante trinta anos, pobre e branca,
Mal me atrevendo a respirar ou dar um Atchim.

Paizinho, tinha de ser eu a matar-te
Mas morreste antes de eu ter tido tempo-
Pesado como mármore, um saco cheio de Deus,
Estátua lívida com um dedo do pé cinzento
Grande como uma foca de S. Francisco

Com a cabeça no caprichoso Atlântico
Onde o verde-feijão se derrama sobre o azul
Nas águas da maravilhosa Nauset.
Costumava rezar para te recuperar.
Ach, du.

Na língua alemã, na vila polaca
Reduzida a nada pelo cilindro
Da guerra, da guerra, da guerra.
Mas o nome da vila é vulgar.
O meu amigo polaco

Diz-me que há uma dúzia ou duas.
E por isso nunca lhe soube dizer onde é que tu
Puseste o teu pé, onde as tuas raízes,
Nunca pude falar-te.
A língua prendia-se no maxilar.

Prendia-se num laço do arame farpado.
Ich, ich, ich, ich,

Mal conseguia falar.
Julgava que qualquer alemão eras tu.
E a língua obscena

Um motor, um motor
Empurrava-me para fora como um judeu.
Um judeu com destino a Dachau, Auschwitz, Belsen.
Comecei a falar como uma judia.
Até penso que posso bem ser judia.

As neves do Tirol, a cerveja clara de Viena
Não são coisa pura nem verdadeira.
Com a minha ancestralidade cigana e uma sorte bizarra
O meu baralho de Tarot, o meu baralho de Tarot
Pode ser que haja em mim algo de judia.

Sempre tive medo de ti,
Com a tua Luftwaffe, a tua lenga-lenga.
O teu bigode aparado
E o teu olho ariano, bem azul.
Homem-panzer, homem-panzer, Ó Tu-

Não Deus mas uma suástica
Tão negra que nenhum céu podia esgueirar-se por ela.
Não há mulher que não adore um fascista,
A bota na cara, o bruto
Bruto coração de um bruto como tu.

Estás de pé junto ao quadro preto, paizinho,
Na fotografia que eu ienho fe ti,
Uma cova no queixo em vez do teu pé
Mas sem deixares por isso de ser um demónio, nem
O homem negro que

Mordeu o meu lindo coração vermelho partindo-o em dois.
Tinha dez anos quando foste enterrado
Aos vinte tentei morrer
E voltar, voltar, voltar para ti.
Pensei que até os ossos me serviam.

Mas troxeram-me de novo à vida,
E juntaram-me os bocados com cola.
E soube então o que devia fazer.
Fiz uma réplica de ti,
Um homem de negro com ar de Meinkampf

E muito entendido na roda dos suplícios.
E eu disse sim, sim.
Portanto, paizinho, isto acabou finalmente.

O telefone negro está desligado da raíz,
As vozes deixaram de achar o seu caminho.

Se já matei um homem também posso matar dois-
O vampiro que disse que eras tu
E que bebeu o meu sangue durante um ano,
Sete anos, se queres saber.
Paizinho, agora podes voltar a deitar-te.

Tens uma estaca nesse teu gordo coração negro
A gente da aldeia nunca gostou de ti.
Sempre souberam que foste tu.
Dança e bate o pé em cima de ti.
Paizinho, paizinho, meu sacana, acabou-se.

Sylvia Plath, Ariel,Relógio d'Água, 1996

(Ariel, foi editado pela 1.ª vez pela Faber& Faber em 1965)

24 maio 2006

PRÉSTIMO



Um gato não serve realmente
para nada, vão quase seis séculos
desde o tempo das caravelas
onde embarcou com os marítimos para
extermínio dos roedores que
infestavam o porão das naus. Agora
só o dorso oferece às carícias
ou ao regaço o peso
do pequeno corpo, ronronando
a grata beleza de existir.


Inês Lourenço, Assinar a Pele, Assírio & Alvim,Lisboa, 2001.
(antologia de poesia contemporânea sobre gatos, organizada por João Luís Barreto Guimarães)









a nada

18 maio 2006

Alternadeiras



Contigo, leitor, celebro
esta união sem facto, abro
este habitáculo, algumas gavetas
secretas para demorar contigo emoções
e escárnios. És talvez, como eu,
uma alternadeira de palavras, destas
que vendem no papel, os objectos
trucidados pelo olhar em lençóis
de falsa transparência e ficção
furtiva. Outras, mais reais
e mais humanas, professam
uma devastada arte de amar
e nós um devastado amor
à arte dos versos que ninguém
lê. nós nos lemos
uns aos outros, tal como elas
se vigiam sobre o trottoir.


Inês Lourenço, Logros Consentidos, & etc, Lisboa, 2005.

16 maio 2006

Basófia europeia e omissão civilizacional


O que anda a fazer o nosso Parlamento no que concerne a leis sobre Procriação Médica Assistida?

Leia-se elucidativo texto em:

http://www.daliteratura.blogspot.com

14 maio 2006

"Pelo poder da música, atravessaremos alegres a sombria noite da morte"



A propósito da histórica gravação de A Flauta Mágica vendida, com o jornal Público, a preço ultra módico, esta semana, na continuidade das efemérides do "ano Mozart", deixo aqui esta breve chamada.

(...)
"A Flauta Mágica é pois uma obra políticamente incorrecta e o assunto não tem sido fácil de gerir. O melhor que se pode argumentar em seu favor é que não nos podemos esquecer de que estamos no século XVIII, numa Europa racista e misógina, uma Europa que, sem qualquuer sentimento de culpa, enriquece com o comércio de escravos, explora as matérias-primas de África e mantém a lei sálica. Escandalizar-se com A Flauta Mágica seria, no mínimo, farisaico. (...)

'Pelo poder da música, atravessaremos alegres a sombria noite da morte'

É este o sentido último e verdadeiro da obra, escrita por um homem, um músico de profissão que se acercava da sua própria morte, e talvez seja também o sentido último de toda a obra de Wolfgang Amadeus Mozart. Poderá acaso uma música aspirar a um fim mais nobre e mais alto do que este - o de nos consolar, de nos libertar da angústia e de nos ajudar, pelo seu imenso poder, a atravessarmos alegres a sombria noite da morte?"

do ensaio de Xavier Pujol, em trad. de Mariana Portas, incluído no CD 2, da edição referida.

10 maio 2006

ELIZABETH BADINTER



A propósito das comemorações maternalistas do último Domingo e das próximas peregrinações marianas que se avizinham - que de algum modo fazem apelo às proteccções maternas (embora, estas últimas -as marianas do 13-, com "colo" divinamente andrógino), lembrei-me de ir resgatar à estante, o livro
de E. Badinter O Amor Incerto - História do Amor Maternal do séc. XVII ao séc. XX. Uma boa edição da Relógio d'Água, em tradução do Francês de
Miguel Serras Pereira e com capa de João Botelho (tudo vips). É esta uma 1.ª ed. s/d, que deve ter saído pelos meados dos anos 80. Mas, numa pesquisa na Net, são numerosíssimos os sites sobre este livro e outros da conhecida filósofa francesa. Esta obra despertou grande celeuma e hostilidade, pois abalou, à época, fortemente, muitas amáveis crenças...

(da contra-capa)
Será o amor maternal um instinto originado na natureza feminina? Ou, pelo contrário, o resultado de um comportamento, variável com os valores sociais e culturais?

Mudando de enfoque, mas não de tema; uma das coisas que me intrigava nos meus tempos de meninice e aprendizado da Língua e do circo dos adultos, era a "Imaculada Concepção" ( nesses heróicos tempos o "Dia da Mãe" era a 8 de Dezembro ) ser "o modelo e a Padroeira de todas as mães". Coisa que nos impingiam solenemente da Catequese à sala de aula, ainda por cima fazendo coincidir o Feriado religioso, de missa obrigatória, com a homenagem àquelas de quem tinhamos sido o fruto do ventre...

Nós filhas de concepções maculadas e destinadas a macularmo-nos no Futuro, da mesma forma?
E que faziam os rapazes no meio disto tudo?

08 maio 2006

LÍNGUA MATER DOLOROSA

-----------------------------Mater Dolorosa---------------------------------------------------
-----------------------------Luis Morales (1510-1586)-------------------------------






LÍNGUA MATER DOLOROSA

Tu que foste do Lácio a flor do pinho
dos trovadores a leda a bem-talhada
de oito séculos a cal o pão e o vinho
de Luiz Vaz a chama joalhada

tu o casulo o vaso o ventre o ninho
e que sôbolos rios pendurada
foste a harpa lunar do peregrino
tu que depois de ti não mais nada,

eis-te bobo da corja coribântica:
a canalha apedreja-te a semântica
e os teus verbos feridos vão de maca.

na glote és cascalho és malho és míngua,
de brisa barco e bronze foste a língua:
língua serás ainda...mas de vaca.

Natália Correia

Inéditos, 1973/76, in O Sol nas Noites e o Luar nos Dias

NOTA: Este soneto foi publicado em:

Jornal Novo, Dezembro de 1976.

"O Sol nas Noites eo Luar nos Dias", (2 vol.),Círculo de Leitores, Lisboa, 1993

Hífen 12 - Cadernos de Poesia -"Quatro Poéticas", Porto, 1998

(ilustrando com outros poemas da autora o ensaio de Maria de Fátima Marinho:

"Do Grotesco ao Sublime" -introdução ao estudo da poesia de Natália Correia).


06 maio 2006

A ÚLTIMA FRONTEIRA


Excelente post de Júlio Machado Vaz,
no seu blogue (com tertúlia) e som.

http://www.murcon.blogspot.com

Acrescento, para os menos versados na Cultura do Nortugal, que "murcon" é a versão fónica de "morcão", do "dialecto" tripeiro.

BLOGUES DE POESIA


http://locainfecta.blogspot.com


http://poesiailimitada.blogspot.com

Diferentes "climas". E, por isso mesmo, visitáveis.

PS -A imagem é copiada da "Loca".

01 maio 2006

"MAIO, MADURO MAIO..."


TOPONÍMIA


Mudam-se os tempos.
não sabemos as matinais canções
nem habitamos vilas morenas.
Toleramos serventes de pedeiro louros,
de preferência não legalizados. Queremos
um grande apartamento em condomínio
fechado, um ferrari, uma piscina, um topo
de gama de uma coisa qualquer.


Temos ruas, temos praças e pontes
com nome de revolução. Como todos
os países temos hino - nação valente
imortal. Tivemos canela e diamantes,
santos, barregãs e dinastias de
tiranos e servos. Andámos muito
no mar, trocando rotas e poderes,
escravos, inquisições e cruzes.


Agora, neste estreito
quadrilátero, de onde saímos
e mal regressámos, sem índias nem
quinto império - salvou-se o manuscrito do
Luís Vaz a nado - restam-nos a sardinha
e a conquilha - ao que consta cercadas
de barcos espanhóis - o bacalhau
que não vem da Terra Nova, a memória
dos pescadores de baleias, esgotada a captura
nas ilhas.


Também temos o treze
de Maio, o negócio clandestino
das abortadeiras, a broa de Avintes,
os tintos, por enquanto de marca e
o leitão da Bairrada e o Benfica e
o Sporting e o Futebol
Clube do Porto.


Temos ruas, temos praças e
pontes com nome de revolução,
topónimos nebulosos que a distância
apagará. Apenas aquela rua
chamada Cantor Zeca Afonso
poderá surpreender o transeunte
se acrescentarem o aviso:


nunca quis uma rua
para si.



Inês Lourenço, Logros Consentidos, & etc, Lisboa, 2005