20 maio 2007

NELSON DE OLIVEIRA - São Paulo (Brasil)






(...)
«Em Algum lugar em parte
alguma não há lugar para o lugar-comum. Até mesmo os estereótipos mais resistentes - tão presentes na tevê, no cinema, na música e nos livros pretensiosos - caem por terra abatidos pela ironia e pelo humor. Entre esses estereótipos estão os requentados do realismo literário. Apesar de os contos aqui reunidos partirem muitas vezes de sérias questões sociais, o ponto de chegada é sempre a literatura de qualidade (rica em fantasia), jamais o panfleto ou a matéria jornalística.

A solitária senhora no parque municipal, Senhora aos Domingos, o menino perdido entre os feirantes , Pobre patinho Frank cheio de si e de vento, a mulher envolvida com o Carnaval e os vagabundos, Marli, o casaal de favelados da metrópole esquizofrénica , Algum lugar em parte alguma, a família subitamente acossada pelos porcos, Os antepassados, os porcos, e o rapaz sem identidade fixa, O irmão brasileiro, todas essas criaturas vivem conflitos mil vezes mais ricos, amplos e iluminados do que os nossos.

Essas seis narrativas são crúeis sem serem violentas (...) Em suas oficinas de criação literária, Nelson de Oloiveira não se cansa de repetir: "A função da grande literatura é provocar e inquietar, jamais entreter e deleitar."»

Fernando Seixas

OLIVEIRA, Nelson de, Algum lugar em parte alguma, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2006

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Nota: consultando o Google, facilmente se encontrarão diversos e elucidativos elementos bio-bibliográficos, sobre o autor.

05 maio 2007

MARIE-SÉGOLÈNE


Certamente irá perder a favor do outro candidato.
Apesar de ser a pátria dos Enciclopedistas, de "A Marselhesa", de Sartre, de Camus, de Beauvoir, do Maio de 68, a França é demasiado meridional e latina, para eleger uma mulher para a Presidência.
Porque a essas histórias de "competência", "ideologia", "economês", etc, presidem subterrâneamente impulsos, preconceitos e empatias determinantes.
Uma mulher bonita, com digno e comprovado perfil político, mas de esquerda, é inquietante.E não berra nem dá punhadas no peito, à Tarzan.
Antes feia e de direita. Ficariam, assim, harmonizados os velhos e confiáveis paradigmas conservadores.
A "competência" é o menos relevante, na hora "emocional" de votar.
Entretanto, numa ilha atlântica, que o meu país alimenta, um autocrata simiesco de opereta bufa, prepara-se para rouquejadamente festejar, com os sequazes, uma peripaética vitória.

PETER SLOTERDIJK


Enfim, um filósofo que muito ajudará, assim o leiam, certas mentes menos atentas, a entender que, com o estabelecimento mediático da cultura de massas (radiodifusão, televisão, internet), novas bases vêm suportando a coexistêrncia humana, nas sociedades actuais. E elas são pós-literárias, pós-epistolares e pós-humanistas.
Ainda não tinham dado por isso?
O excelente pensador diz ainda, que quem se assustar com o prefixo pós, pode substitui-lo pelo advérbio marginalmente; isto é, que só marginalmente a Literatura e o Humanismo (e a epistolografia) influenciarão a Política e a Cultura.
Mas ainda não tinham percebido, os "esperançosos" da treta e os "humanistas" do faz-de-conta?
Lotação esgotada, 6.ª feira última, para o ouvir, em Serralves, no Porto.

04 maio 2007

Da Literatura: FLORBELA ESPANCA (Vila Viçosa, 8/12/1894 - Matosinhos, 8/12/1930)


Excelente texto, muito imparcial, despreconceituoso, informado e elucidativo de Eduardo Pitta, sobre a poeta e a minimização mais ou menos enjoada - e enjoativa - que certos nvos e menos novos poetas/críticos fazem da sua poesia e efectiva importância na Literatura Portuguesa . Em termos de kitsch, bem fariam em reler os próprios poemas.

02 maio 2007

A QUE CUIDA




A HORA DO LANCHE


Na mão de Ana o iogurte não
iluminava, escurecia,
comunhão ajoelhada
no fundo do coração do dia

imemorial onde, desperto, ele dormia.
O movimento da colher embalava-o
como uma música que quase se ouvia
neste mundo ou como o colo que o adormecia.

A tarde declinava, as sombras,
como sombras, alongavam-se na almofada;
tudo fazia um sentido
literal e simples, onde não pode a poesia.

Se alguma coisa ficara
por dizer já não iria ser dita;
as palavras tinham-se sumido, transidas,
no interior da casa, o próprio silêncio emudecera.

Senhor, permite que adormeçamos
antes que feches a luz e desça
sobre nóas a tua escuridão,
que os rebanhos estejam recolhidos
e os credores se tenham afastado da nossa porta,
mas que tenhamos pago as dívidas aos que nos serviram
e aos que nos amaram e aos que nos esperaram;
as tuas grandes mãos sustentarão o telhado e as paredes,
e moerão o grão e fermentarão o trigo,
apaga com as tuas mãos para sempre o rasto
da nossavida
e que repousemos enfim
sem motivo para nos culparmos
por não termos sido felizes.

Foz do Douro, 26 de Janeiro de 2005

Manuel António Pina