31 janeiro 2007

LUDÍBRIOS

As pessoas que integram os numerosos "movimentos" pelo NÃO no referendo da IVG, continuam as suas repelentes e sofísticas campanhas de desinformação científica, jurídica, ética e política, perseguindo um status quo despótico e obscurantista que infecta um país laico, que não é uma teocracia como o Irão e outros países congéneres, e se diz pertencente à Europa civilizada.

Os senhores bispos deviam ser objecto de processos judiciais por difamação, pois sairam dos seus púlpitos e dioceses, para os ecrãs das televisões e outros espaços civis, acusando muitos milhões de mulheres portuguesas - desde as nossas avós às nossas netas - de "terroristas", "nazis" e carrascos similares aos executores de Saddam.

Eu assinaria um documento em que alguém alertasse para esse estigma sinistro atirado por alguns bispos às nossas antepassadas e familiares actuais, nos espaços da laicidade.

Porque é muito cómodo ser "voz de Deus" e voz dos Bancos e Universidades Vaticanas, cá e em tantos países, e Opus e recebedor de triliões de rendimentos de Santuários, sem imposto, e pastor de beatas analfabetas, tudo ao mesmo tempo.

Quando falam em "mulheres", os movimentos do NÃO só vêem as "putéfias" que abriram a perna indevidamente ou desmazeladamente e que não interessa se têm 12 anos ou 50, pois transportam um útero sob sequestro jurídico, para, independendo da sua consciência, vontade e circunstâncias, pôrem neste mundo um desgraçado qualquer, porque sim, como as fêmeas de qualquer espécie animal.

AS MULHERES são as filhas e as mães deles e delas, as esposas, as irmãs, as avós e vão continuar a ser as netas.

28 janeiro 2007

O PAÍS À PORTA - Rui Lage

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Se pudesses, O'Neil, ver hoje o teu país,
(ou tu, Assis Pacheco, filho pródigo
destes quintais floridos)
velho de oito séculos e pouco mais velho
desde que o deixaste,
país que secretamente não vota
para não se maçar
enquanto furta com arte as gaiolas vizinhas
a cantar nas paredes caiadas,
país com mais que fazer
(futebol para ver
e mato para queimar);
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se pudesses vê-lo agora
não levarias a peito,
mas confirmarias, estou certo,
que tem defeito de nascença
ou de fabrico,
mais valendo, por isso,
como em vida tua valeu,
deitar por terra a lança do ódio,
fechar a navalha do tédio,
sacudir o ombro amigo da solidão
e rir sonoramente de tudo,
talvez não tanto à porta da pastelaria
como hoje em dia, à porta dos chineses,
mas rir sonoramente de tudo, dizia,
- de ti mesmo,
sobretudo.
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LAGE, Rui, Revólver, Quasi Edições, V. N. Famalicão,2006
Foto de Jorge Garcia Pereira , no blogue "valacomum".
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21 janeiro 2007

FIAMA (1938-2007)


Rondam, de noite, os ceifeiros
à procura de uma nova semente
a rainha e mestra
a que espalhará no campo uma pedra ardente

O temor atinge os ceifeiros.
Já vêem nas cinzas cereais novos, novas cores
com que se fabricam os pensamentos eternos

(...)

in Invocação e Ofícios

14 janeiro 2007

Artigo 140.º do Código Penal Português



A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiros, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos.

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QUER MUDAR ESTA LEI ?

VOTE, SIM.

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08 janeiro 2007

Telhados de Vidro - n.º 7





GRANDE HOTEL DE PARIS, QUARTO 312

à memória de Jorge de Sena

Um amigo meu disse-me para nunca

meter gaivotas num poema.

O que seria fácil noutra cidade qualquer,

onde o ruído do seu voo não acompanhasse

tão de perto a minha insónia, a vaga

inquietação do teu corpo adormecido.

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Alastra da Sé aos Clérigos, um alarme branco

que a janela deste quarto aceita há mais de

duzentos anos. Serão outras as gaivotas

e as cabeças que, depois de muito ou nenhum

sexo, se rendem ao limbo brasonado dos lençóis.

Mas eu vim para a casa de banho escrever

este poema simples, cheio de versos inúteis,

que me exige as horas que não tenho.

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Sem ele, teria sido um dia grácil e ligeiro

como a morte, duro e inaceitável

como a vida. Pois consegui, antes destes

adjectivos todos, comprar o belo e o sublime

por menos de oito euros. E o livro que Jorge

de Sena dedica sem gaivotas, "à cidade do Porto".

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Deveria ser fácil como um beijo, este poema.

Mas não. Chegamos à janela e só vemos

lixo, prédios devolutos, uma coroa

de terra a esboroar-se.

E invejamos,

das gaivotas, a pungente desrazão do voo,

essa alegria de não ter palavras

sob o céu limpo que nos mata.

Manuel de Freitas (pag. 43/44)

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Mais um número desta, "fora-de-série" publicação, da AVERNO, editora fora de cânones empresariais, oficiais e literateiros, da iniciativa - que se afirma não peródica - do poeta Manuel de Freitas.

Direcção da revista:

Inês Dias e Manuel de Freitas

Capa: Lurdes Castro

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Nota: Por dificuldades técnicas, surgidas na "entrelinhagem", tive que separar as estrofes deste poema, com um traço: do que peço desculpa.