31 março 2006

O POEMA ENSINA A CAIR

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede


até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma

Luiza Neto Jorge (1939-1989)

de O Seu a Seu Tempo

28 março 2006

INVOLUNTARIEDADES

Três involuntariedades:

NASCER

RESPIRAR

AMAR

Ele há mais, se se lembrarem contribuam, mesmo em registo irónico, se for o caso.

25 março 2006

FEIOS, PORCOS E MAUS - Ettore Scola (1976)

Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas da limpeza após o combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro
o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.

Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos - tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.



JOSÉ MIGUEL SILVA, Movimentos no Escuro,Relógio d'Água, Lisboa, 2005.

24 março 2006

IMPOSSÍVEL REGRESSO


Quando no fim
aquele tema torna, não é para encerrar
num círculo fechado uma odisseia em teclas,
mas para colocar-nos perante a lucidez
de que não há regresso após tanta invenção.

Jorge de Sena, "Bach:Variações Goldberg", ARTE DE MÙSICA

23 março 2006

NOMES

Este blog era para se chamar "Torre de Babel". A diversidade e os labirintos, atraem-me, apesar do perigo evidente que representam, para certos espíritos timoratos.