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ALGUMAS PALAVRASde
Joaquim Manuel Magalhães(Actual, Semanário
Expresso, 1 de Abril de 2006, p.68)
A auto-repressão da sexualidade em Nobre ou a afirmação que atentamente Curopos nos mostra da impossibilidade de contacto físico com uma mulher - tudo isto sem nunca sair do plano estrito da obra - acaba por nos evidenciar as verdadeiras razões da sua relação com o país(...)
Porém, o feminino (melhor, aquilo que a dogmática de cada sucessiva época estabelece como o estereótipo do feminino, que se transforma quase sempre numa falsa suposição, pois fora do anatómico e do biológico o feminino e o masculino não passam de um mutante imaginário colectivo) ganha um outro sentido mais radical, falando Curopos da "polaridade feminina" existente no próprio Nobre enquanto autor dos seus versos .
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No fundo, de que tem medo Nobre, tão evidentemente conhecedor da sua aterrada identidade sexual? Mais do que do universo social em que se move- que é fundamental, mas é exterior a si -, Nobre teme o que radicalmente interiorizou, a sua contínua ligação a uma religiosidade que corrói quem dela não se precata. Sabemos bem até que ponto a religiosidade pode, no seu fundamentalismo mais comum, criar uma massa de auto-rejeição àquele que persiste em viver sob a sua ideologia sexualmente torcionária. (Ainda hoje assim é.) A religião que foi também a de Nobre, tem os seus representantes não em pastores que se disponham a perceber, mas em delegados, os incumbidos de serem aparentemente mais brandos, ou em comissários, de estandartes designados para uma eficaz proselitização, de um poder central facínora, o Vaticano.
Esta voz no nosso tempo, é por exemplo, incapaz de perceber quanto a defesa da libertação da auto-repressão e da exclusão de direitos cívicos dos homossexuais - entre múltiplas outras defesas de igualdades cívicas plenas, a maioria tocando a condição das mulheres - é um dos mais fortes sinais da afirmação da cultura europeia contra outras, também facínoras, que a aneaçam.
Nobre vive esta sufocação de um país que não o deixa existir plenamemnte. Por isso o idealiza, por um lado; por isso o acusa do mais doentio presente, por outro lado. Talvez também por isso, seja o menos ideologicamente empenhad0 numa luta, idealista ou materialista, por qualquer alteração do país, no que não acredita - que lhe pode importar, e mal sabe dar voz a isto, aquilo que o rejeita? Ele sabe que o seu país lhe dá morte, simplesmente. Podemos ver este poeta em que o "desejo se dessexualiza" descer mesmo, na sua
Correspondência, a ataques absurdos à homossexualidade - como que numa auto-defesa trágica.
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A sensibilidade de um homossexual nada tem a ver com a de Nobre: aliás, ,a sensibilidade de um homossexual nada tem a ver com a de outro homossexual, quero dizer, a de um indivíduo humano não tem a ver com a de qualquer outro.
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Estes são breves excertos do excelente texto, publicado hoje, no semanário referido em epígrafe, acerca da tese:Fernando Curopos,
Le féminin dans l'oeuvre de António Nobre, Université Paris - Sorbonne, Ecole doctorale IV, 28 Rua Serpente, 75006 Paris
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