Carlos Bessa - DEZANOVE MANEIRAS DE FAZER A MESMA PERGUNTA
SAÍDAS PROFISSIONAIS
De repente, sem pose nem porquê,
desata a escrever como um vidente,
como um Rimbaud. Ele, o revoltado,
que publicará não tarda três ou quatro
poemas numa dessas revistas que
ninguém lê e que o tempo tornará
raridade, se contiver nomes que
sonem, que façam a alegria de
alfarrábios e coleccionistas.
Mas por ora é apenas silêncio,
sufoco. Ninguém lhe diz nada, nem mesmo
os amigos mais chegados. E como
ainda não sabe que a literatura
é sempre essa alquimia de esperar,
vai-se esquecendo. O ritmo é outro.
Não o dos versos. Mas o da carreira.
Tornar-se-á um gestor de primeira e
acabará os dias rico e feliz,
a dizer aos netos que a poesia é
uma mentira e que ele teve sorte,
abriu os olhos a tempo.
_____________
Carlos Bessa, DEZANOVE MANEIRAS DE FAZER A MESMA PERGUNTA, ed. Teatro de Vila Real, 2007