31 dezembro 2007

Dueto poético de José Miguel Silva e Manuel de Freitas, na viragem do ano

WHAT USE?

A poesia, que foi tudo, é quase nada,
se não cura, não faz pão, não tira nódoas
do tecido social. Em vez de versos,
ponho ao sol um vaso de ervas aromáticas,

fomento a couve-roxa, conto as flores
do manacá e atormento-me em janelas
virtuais, avaliando os elementos
da ruína, seus engodos e motivos.

Atormento-me de novo, com os roubos
do momento, disparato, não respiro,
assobio uma canção desencontrada,
popular, o coração impaciente.

E cedo volto, sem prazer, ao passatempo
destes jogos cranianos - escusados,
se não creio que a justiça leia versos
nem me abrigo na menória de vindouros.

J. M. S.


NO WAY BACK

"Como sair daqui?" Perguntas bem, amigo.
Diógenes diria "à catanada, vivamente",
Lichtenberg "à gargalhada", se o conheço.
Thomas Bernhard proporia "num rectângulo
de tábuas" e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse "rastejando".
Diderot aventaria
"pela rua do liceu", Tcheckov "pela viela
mais escura, à tua esquerda". Séneca diria,
muito sonso, "pelo passeio das Virtudes",
Vaneigem "pelo jardim das Belas-Artes".
Bashô responderia (e eu com ele) "é muito cedo,
fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa".

J. M. S.


QUERELLE

Não tenho para ser sincero,
muita simpatia por aquele rapaz
de óculos escuros que roubava livros
em Santarém. Rapou o cabelo,
decorou páginas inteiras de Genet,
sem que nada percebesse do amor.

E, no entanto, é ele que me pede agora
contas da vida que não vivi - esse
náufrago de espelhos abolidos e
de noites sem saída. Esse rosto imberbe
que finjo reconhecer ao longe.

Talvez lhe pudesse simplesmente
dizer: ao menos não engordei,
cretino, e escrevi mais poemas
do que tu alguma vez sonhaste.

Mas ele riposta, impecável:
não te voltarão a chamar rapaz.
Deves-me todos os poemas que escreveste.

M. F.



VICTIMES OF THE DANCE

Era antes da Internet: um recanto
do Blitz onde se expunham ou partilhavam
(des)prazeres, um improvisado conjunto
de referências que nos pudesse
aproximar de alguém,
nem que fosse de nós próprios.

Estávamos, como sempre, demasiado sós,
entregues a províncias e desgostos
incomuns, mesmo quando batiam certo
os nomes, os sinais de alarme que
- entre ninguém e ninguém -
desbravavam uma espécie de caminho.

Conheci, em suma, dezenas de pessoas.
Às cartas seguia-se fatalmente o rosto,
surpresa por vezes dolorosa (outras vezes não).
Ninguém, de qualquer modo, queria ser ninguém.
Antes presentes ou futuros poetas, romancistas,
compositores, artistas plásticos, timoneiros.

Se nenhum deles, a acreditar no Google, deixou cadastro
cultural foi porque a vida, ou nem sequer a vida,
sabotou as adolescências de que fui breve testemunha.
E não ignoro que este vestígio incerto vale menos
do que o silêncio com que me escreviam
há quase vinte anos. Quando não havia e-mail.

M. F.



SILVA,José Miguel/FREITAS,Manuel de,Walkmen,& etc,Lisboa,Dezembro de 2007(pág.7, 8, 9 e 27)

27 dezembro 2007

Malditos facínoras fanáticos

Ó Benazir lutaste até à morte. Tinhas de pagar o preço de, aos 35 anos, teres sido a primeira mulher a chefiar um estado islâmico.
Culta, bela, corajosa, inteligente, sonhaste para o teu país uma síntese sociopolítica nova, entre tradição e renovação.

Por que não te limitaste a gerar pilinhas para Alá?
Ainda estarias viva.

22 dezembro 2007

PUER NATUS EST NOBIS



Dos contos de fadas da
minha infância, este da Divina
Criança era dos mais maravilhosos. Não
faltaram os exóticos magos guiados
pela mística estrela, a noite gelada, os
mansos animais, o desvalido ermo, a pobreza
transformada em glória. O bem
sucedido parto de uma virgem, milénios
antes das pesquisas genéticas. O pior
foi quando quiseram contar o Tempo
a partir desta história. Podiam ter escohido
outra, com um fim menos cruel. Antes
a da Cinderela ou a do Príncipe Sapo, onde
todos viveram felizes para sempre. Sempre?
E o que é

Sempre?

I. L.

A Disfunção Lírica, & etc, 2007, Lisboa








16 dezembro 2007

De Palermo, do Faroeste ou de Chicago - anos 30


Nestes últimos dias tenho ouvido nomear estes sítios históricos do tiroteio, a propósito do Porto.
A foto acima é da Rua do Almada, onde esta madrugada se desenvolveu uma televisiva acção policial, para deter suspeitos.
A "noite do Porto" é muito mais extensa e indefinível do que as guerras de território entre grupos de delinquentes. Se calhar morre muito mais gente por outras mais injustas razões.Crianças, velhos sózinhos, suicidas, enfermos precoces e tanta gente em imerecida derrapagem.
Ontem ouvi no "Eixo do Mal", alguém considerar tais guerras, do sub-mundo, guerras ecológicas; com o que não deixo de concordar. O fenómeno sociológico da eclosão "profissional" dos "seguranças", com as promiscuidades inerentes, merecia ser escalpelizado.
Moro a menos de um quilómetro do início da Rua do Almada. Mais perto dela fica uma simpática livraria A Utopia e a Igreja da Lapa,onde no Colégio ao lado andou Eça de Queirós, sendo aluno do então jovem Ramalho Ortigão, filho do director do colégio. Ao lado esquerdo do altar-mor da igreja, está o o receptáculo de pedra que contém o cofre com o coração que D. Pedro IV - o do desembarque no Mindelo - legou à cidade.

13 dezembro 2007

Pastéis de Belém



Mr. Gordon Brown parece ter chegado diplomaticamente atrasado ao almoço que a Presidência da República Portuguesa ofereceu, após a assinatura pelas representações cimeiras dos demais países da UE, do Tratado de Lisboa.

Como deixei de ouvir as reportagens, nem sei se sempre chegou a tempo de mordiscar algum pastel de Belém.

Não querendo generalizar, pois sempre tiveram gente notável - a maior parte das vezes contra os poderes instituídos, a começar pelas senhoras do vote for women-, estes ingleses são um cromo. Colonizaram meio mundo, têm um monarca que é o chefe da igreja anglicana ou seja,têm uma religião oficial. São muito democratas mas sustentam uma monarquia de opereta - consta que a Rainha é das pessoas mais ricas do planeta. Têm BBC(s), Sky News e Scotland Yard(s) que fazem o que é conveniente (recorde-se o caso Maddie), etc, etc.
Gostam muito de "aproveitar" os recursos dos outros, desde o vinho do Porto, ao Beresford (após as lutas napoleónicas) que queria mandar nisto, ao mapa cor-de-rosa, até às praias do Algarve, brindando-os em troca com xenofobia e desprezo.

E já agora, também gostava de saber qual seria a alternativa realista para Portugal não aderir ao Tratado. Na moeda única desde 2000,aderentes à abolição de fronteiras dentro da CE, fartos de usufruir de fundos de coesão, só me ocorre umas expressões bem lusas, como a de "cuspir na sopa". Ou então certas cirurgias reconstrutivas do hímen vaginal.

11 dezembro 2007

Em 10 de Dezembro de 1987




Foi apresentado por Óscar Lopes, há 20 anos, na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (associação centenária sem Mulheres de Letras...), o n.º 1 dos Cadernos de Poesia-Hífen.
Por esse motivo - e pela sequência de números publicados até Dezembro de 1999, encontra-se em construção uma breve e informativa página no blogspot.com.



10 dezembro 2007

Nuno Lourenço - arquitecto

atelier/equipa
http://www.risco.org/ ou no Google.
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07 dezembro 2007

PORTO ROMÂNTICO - Sofia Lourenço / piano (verso)



> Mais fotos e música em:
(mas deixe acabar este Romance op. 71 n.º1, do portuense Arthur Napoleão (1843-1925) enquanto vê a capa do CD no post abaixo, com as flores que são ainda o símbolo da cidade).
http://abracadabra.weblog.com.pt/

06 dezembro 2007

PORTO ROMÂNTICO - Sofia Lourenço / piano



A chegar às Fnacs.

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As incubadoras

As recentes interrogações presidenciais sobre a actual descida da taxa da natalidade e a forma algo simplória como foram verbalizadas, despoletaram previsíveis comentários brejeiros, bem a carácter da nossa arcaica sociedade patriarcal.

Claro que as causas económicas contam, mas sobretudo o que conta é o actual estatuto feminino, que permite às mulheres exercerem outras tarefas para além das da gestação, nas quais as "tradições" e os poderes gostam de as encerclar. Muitas empresas e organismos empregadores, já perguntam às suas candidatas aos lugares, se estão grávidas ou tencionam estar, proximamente.
Passando por cima da justeza ou injusteza desta inquirição e suas pertinências, será talvez preciso recordar que as tarefas e os incómodos da gestação com as inúmeras implicações fisiológicas, que as "incubadoras" humanas ainda vão assegurando, não são de somenos perturbação de qualquer quotidiano; desde estar aos vómitos e com enjoos violentos à hora de ir para o trabalho, até às análises, às consultas pré-natais, aos nove meses de frequente perna aberta em cima das marquesas dos ginecologistas, ao embarrigamento progressivo, que no último mês nem deixa apertar os cordões dos próprios sapatos.
E isto sem contar com a "boa horinha" - para que felizmente já há epidural - com o aleitamento de 3 em 3 horas, etc, etc, etc.

Logo as brejeirices que põem a tónica em "fazê-los" estão algo desactualizadas. Hoje fornica-se muito mais - a vida sexual começa aos 14 e 15 (ou ainda antes?), ao que rezam as estatísticas - mas "produz-se" muito menos. Até a Igreja Católica já foi obrigada a reconhecer a independência do prazer face à procriação.

Atena saiu armada do cérebro de Zeus - cá temos o modelo patriarcal do senhor de barbas - e há outro deus da mitologia grega, de que não me ocorre o nome no momento, que acabou a gestação na barriga da perna do mesmo Zeus, tendo nascido escorreito.

Não é que os miraculosos gregos já descobriram a solução, há milénios??!!!!

04 dezembro 2007

"Pode um livro de poemas pôr em causa ideias feitas sobre o que é a poesia? Não só pode como deve, se(...)"

"Pode um livro de poemas pôr em causa ideias feitas sobre o que é a poesia? Não só pode como deve, se além de um certo distanciamento crítico houver ironia. (...)

http://timeout.sapo.pt/news.asp?id_news=550

em terça-feira, 27 de Novembro de 2007
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Assim começa a nota de leitura de José Mário Silva (que também assina o blogue A Jnvenção de Morel, tendo, além desta nota que refiro em Timeout, nele postado 3 poemas do livro em questão).
O livrinho é A Disfunção Lírica, saído recentemente na & etc, Lisboa.

Às vezes, temos surpresas, quando damos uma fugida ao Google. Alguém que nunca vimos, nos leu com alguma atenção e se acercou das nossas interpelações, da nossa voz, do nosso olhar.

Se a nota de leitura não for acessível neste endereço (que de tão prolixo, temo ter errado), pesquise-se no Google em "Inês Lourenço poesia". Aí na 2.ª página da pesquisa aparece "A Disfunção Lírica/Timeout".
Foi assim que lá cheguei.

Façam o mesmo com o vosso próprio nome e actividade. Pode ser que algures, alguém, mesmo discretamente, vos tenha realmente lido.
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