29 fevereiro 2008

Negritudes



Tenho ouvido dizer que a eleição de Obama será o indício de um avanço civilizacional.
Finalmente, um homem de cor, ao leme da poderosa USA.
Sendo os dois, democratas , e lendo ambos os argumentários, trajectos e experiência política, que, por motivos diferentes são favoráveis a um ou a outro, não parece ser por aí que os votantes se vão polarizar
Se o factor "cor-de-pele" influi na eleição de Obama, tanto para o bem, como para o mal, já para a eleição de Hillary contribui o factor "género". E aí direi, mais para o mal do que para o bem.
Igualmenmte seria um bom avanço civilizacional se uma mulher competente (quando sárá o dia, de a exemplo dos colegas, também mulheres íncompetentes poderem ser eleitas?) fosse escolhida para a finalíssima da poderosa USA .
Condoolleza Rice foi desaconselhada de se candaditar pelos republicanos, pois essa acumula duas "negritudes": a de pele e a de género. Também se sabe, que por condicionalismos atávicos, as mulheres votam preferencialmente em homens. Veja-se o que aconteceu com Ségolène, em França. E, agora o país limpa-se àquele guardanapo circense, que anda lá pelo Eliseu, e não só.
Assim a hierarquia permanece:
-homem branco
-homem negro (há muitos chefes-de-estado nas nações africanas. Mulheres, não consta.)
-mulher branca
-mulher negra
Nota: adoptei livremente o vocábulo "negritude" da autoria do ilustre Leopold Senghor.

27 fevereiro 2008

Ruy Belo - nascido a 27 de Fevereiro de 1933


Que faísca fugiu do teu olhar*

Nunca consegui despedir-me
dos meus mortos. Porque partíamos
para outras cidades, outras ruas, outros
sítios de despedida. Transporto
comigo esses finais antecipados,
novelos sem ponta, mimeses
sucessivas.

Mas os meus animais
sempre de mim se despediram, desde
o tigre doméstico, envenenado no quintal
por uma velhinha sinistra que
queria preservar as alfaces,
até ao meu último cão, escondido
no último dia, no canto mais escuro
da garagem, um sítio de partidas
que ele conhecia.

Vem dos animais
uma tal inteireza, um até ao fim, até
que a morte nos separe, tão intensamente
farejado, tão comovidamente lambido. O clarim
de um miado ao abrir da porta. O latir
festivo de todas as chegadas. A probidade
do humilde estado de andar
a quatro. A alegria arcaica de trincar, rilhar
o esburgado osso, o looping de garras
fulminantes para suster um voo. Endoidecer
ao cheiro do pescado. Escutar
sons inaudíveis, danado de atenção.

Só os nossos animais nos lançam longos e
verdadeiros olhares de saudade, antes
de partirem, na sua perfeita condição
de seres indivisíveis, para a ventura de
nenhum hades, nenhum céu.


*verso de um poema de Ruy Belo

I. L. (Logros Consentidos, & etc, Lisboa, 2005)

26 fevereiro 2008

Programa "Prós e Contras"




"Ó Senhora Ministra, veja lá !!! O Auto da Barca do Inferno?"

Com professores destes, como porta-vozes, nenhuma reforma é suficiente.

25 fevereiro 2008

Edith Piaf - "La vie en rose"


A PIAF
Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do "Ça ira",
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
ante os olhos que se fazem garganta e palavras
para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham
nesta sombra que se estende luminosa por dentro
das multidões solitárias que teimam em resistir
como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.
---
Quem tinha assim a morte na sua voz
e na vida. Quem como ela perdeu
toda a alegria e toda a esperança
é que pode cantar com esta ciência
do desespero de ser-se um ser humano
entre os humanos que o são tão pouco.
---
6/10/1964
Jorge de Sena

22 fevereiro 2008

Adeus a Madalena Barbosa - Feminista - Caderno 2, hoje, no "Público"

Do texto de Sofia Branco, intitulado:
Madalena Barbosa, a incansável feminista , dois momentos:

«A 22 de Fevereiro, elas, as que lhe chamavam Milena, tiveram a ideia de a homenagear. Organizado em tempo recorde, o livro Que Força É Essa - uma compilação de crónicas e textos de reflexão (muitos dos quais publicados no PÚBLICO), escolhida pela própria já a partir do hospital onde estava internada - é lançado hoje.

"O livro dá-nos uma espécie de retrato da evolução da sociedade portuguesa", diz Maria Isabel Barreno. "Fala de assuntos em que as mulheres são sempre directamente implicadas. Mas os assuntos das mulheres são os assuntos da Humanidade."
(...)
"Em momento algum a Madalena deu o dito por não dito", diz Teresa Horta. "Foi de uma coerência total e absoluta. Nunca se arrependeu da escolha do feminismo. E é muito perigoso ser-se feminista em Portugal".»
__________

Recomenda-se a leitura do texto, na íntegra que inclui biografia.
Não sei se é perigoso ser feminista, mas , pelo menos é incomodativo ler críticas literárias - ou arremedos disso - de escancarada misoginia, dos recenseadores de serviço. Se é que um erotismo outro ou qualquer enunciado feminino, pouco "discreto", mesmo sendo auto-irónico, lhes interessa.

E quanto à bloga, nem é bom falar. A misoginia deles e a galinhice subserviente delas é "tão natural"!...

20 fevereiro 2008

Mário Laginha teve o primeiro piano vertical aos 5 anos de idade

Consultar a biografia do pianista de jazz e compositor em
http://www.mariolaginha.org/

Essa fábula de ter começado aos 19 anos a sua aprendizagem e que só a crassa ignorância musical da imprensa e opinião pública portuguesas comeu por fiável é reveladora.
Vi-o tocar com grande competência, pouco mais teria que 20 anos, num Concurso de Piano para nível superior.
Só por mágico milagre se teria iniciado
no ano anterior. Nem Jesus Cristo conseguiria tal.

19 fevereiro 2008

Arritmia

Este músculo assassino, que
bate irregular, e
me roubaste – como dizia
a lira romântica – é hoje
uma mera peça anatómica
que pode ser trocada ou invadida
por estranhas terapias.


Mas só consinto a troca
por aquele coração
de casca de árvore e líquenes,
onde gravámos o nosso nome.



Jan. 2008

Inês Lourenço

11 fevereiro 2008

Congresso Internacional Feminista

06 fevereiro 2008

Dia Internacional contra a Mutilação Genital Feminina

Foi hoje.
Em Portugal está a verificar-se essa horrenda prática, em crianças da comunidade guineense.

Ouvi , há pouco, na TSF, uma médica da Maternidade Alfredo da Costa, que apresentou, também hoje, um livro sobre essa temática, devido à constatação de mulheres jovens, excisadas, patente durante o trabalho de parto.

Entretanto os blogues e outros intrépidos cronistas falam de marquises dos anos 80 e asaes.

O jovem eng. técnico trabalhava de acordo com a casuística tuga da época?
Ainda bem. Muitos dos impolutos enjoados, na mesma idade, viviam à custa dos paizinhos, fumavam charros e abanavam o capacete.

E quanto à asae, conto-me no número de portugueses que já apanhou uma gastroenterite, com uns rissoisinhos "caseiros".

E não haverá para aí uma asae que multe também os escarradores e mijadores de esquina?

04 fevereiro 2008

Portugal, século XXI - Manuel António Pina no JN de hoje

"Campia, em Vouzela, é um verdejante rincão do Portugal profundo. No dia de Carnaval, a Junta co-organiza uma animada festa: apanha-se um gato, mete-se num cântaro, põe-se o cântaro num mastro, com o pobre animal lá dentro, acende-se uma fogueira e os campienses ficam a gozar como zulus vendo as chamas queimarem o bicho, urrando de excitação quando, finalmente, o cântaro cai e se desfaz na fogueira. Se o animal sobrevive, o bom povo persegue-o depois à paulada pelas ruas da aldeia. O presidente da Câmara, um homem, diz ele, de "princípios e valores", "admite" a "tradição" mas não tem "meios" de impedi-la. A GNR fecha os olhos. O padre lava biblicamente as mãos. O facto de a lei (DL276/2001, de 17/10, na redacção do DL 315/2003 de 17/12) proibir as violências desnecessárias contra animais que lhes inflijam morte ou sofrimento (art.º 7.º, n. 3) e a sua utilização para "fins(...) lúdicos" que causem sofrimento (n.º4), e de a sua violação constituir contra-ordenação punível com coimas que podem ir até aos 44 890 euros (art.º 68, n.º 5) é, em Vouzela, irrelevante. Como o é para a Câmara e GNR, o dever que a lei lhes atribui de assegurar o seu cumprimento artº 66.º).
É o Portugal do século XXI (autarquias, GNR, Igreja) e do "choque tecnológico" no seu melhor."

M.A.P.
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Pede-se a quem ocasionalmente ler a notícia ou este post, que faça qualquer coisa, ao menos espantar-se com os nosos "brandos costumes".

E os habituais defensores da "tradição" e das "culturas"..., que se esquecem das que mutilam genitalmente criancinhas, toureiam vacas, touros e bezerros e têm mulheres de burka, entendam, que rituais cruentos e desumanos pertencem à arqueologia da História, como o canibalismo e as grutas rupestres.

I. L.

03 fevereiro 2008

Poemas de Ana Paula Inácio - "Telhados de Vidro n.º 9"






QUERIDA SOPHIA,


Afinal as mónicas continuam
são as de sempre.
Fazem psicanálise e ioga,
cabeleireiro aos sábados e depilação 2 vezes por mês.
Não têm filhos mas adoptam-nos
como dão guarida aos cães.
Têm-nos de toda a qualidade
e para qualquer situação:
de cego para quando acordam cedo
e o excesso de luz as perturba;
da pradaria se pretendem preciosidades
raridades escondidas;
de água quando temerariamente mergulham
quelques centimètres plus fond;
Briard quando precisam de inteligentes
e corajosos ou de pelagem abundante e
algo ondulada como os define
o dicionário Houaiss;
e finalmente de guarda ou de
fila não venha a coisa a tornar-se pior.
Por vezes, estes últimos, podem tornar-se pegajosos,
inoportunos, indesejáveis
pelo que recebem o nome de miúdo ou
tinhoso, como do rabo comprido, o
que também as enfeitiça
por fugir à norma, ao vulgo, ao
tremoço.
São de sempre as mónicas
e quando falam ao telemóvel
usam uma voz recortada
como as mitenes da avó
e nunca amanharam peixe
ou se amanharam é para utilizar
as escamas em quadros florais
dispostos corredor acima.
Ao peixe comem-no cru
para experimentar outras culturas.

____________


Este poema tem como hipotexto
o Florbela Espanca espanca de Adília Lopes
e o Livro de Mágoas de Florbela
não me interessam quanto valem
na cotação da bolsa literária -
ainda não gozei nenhuma e
bolsa que me interesse
só mesmo a do canguru
mas tu não és minha mãe
nem meu pai, ou tia, ou
irmão, pseudo-Electra -
nem do seu mainstream.
Este poema é dedicado
à minha amiga Mónica
que faz ioga aos sábados de manhã,
cabeleireiro e depilação 2 vezes por mês
(cf. poema anterior)
luta contra uma auto-estima precária
mas sabe o que quer
quando lourifica o cabelo
como 43,33 % das mulheres
com idade > 40 anos,
licenciadas,
em Portugal,
no ano de 2004:

"falar, falar, falar
a este àquele
a toda a gente
e não falar a ninguém"

"Bom dia, meu amor" ou
"Bonjour, tristesse"
como dizia Françoise Sagan
ao seu amante
trocado por falsos versos.


POEMA FEMININO

vim para a cidade servir
servir o amor
e não uma feijoada fria
mas menina e moça
temerária
afastei-me das palavras sábias da avó
que não me desaconselhavam nem a floresta, nem os lobos
mas a cidade e os homens
e na cesta acumulou a dissimulação
que eu utilizaria como uma capa
mas enchi a cesta de morangos silvestres
queria servir com as palavras claras
do tempo dos reis e das princesas
mas o homem a quem amei
com as palavras, os cozinhados, o sexo
achou-os pesados, indigestos
como aquelas que encheram a barriga do lobo
da história que me tem servido de atalho
ai avozinha sempre deveria ter usado a capa
o homem sente a serva como rainha
e as palavras balas certeiras contra a caixa toráxica.
Novidades, novidades, é que não há caçador.


Ana Paula Inácio

Telhados de Vidro n.º 9, Nov. 2007, Averno, Lisboa

Direcção: Inês Dias e Manuel de Freitas
Arranjo gráfico: Olímpio Ferreira
Fotografia:José Francisco Azevedo